- D. João V
Rei de Portugal de 1706
a 1750, desempenha o papel de monarca de setecentos que quer deixar como marca
do seu reinado uma obra grandiosa e magnificente - o Convento de Mafra. Este é
construído sob o pretexto de que cumpre uma promessa feita ao clero, classe que
"santifica" e justifica o seu poder.
É símbolo do monarca
absoluto, vaidoso, megalómano, egocêntrico, e mantém com a rainha apenas uma
relação de "cumprimento do dever" e, em alguns momentos, pretende ser
um déspota esclarecido, à semelhança dos monarcas europeus da sua época
(favorece, durante algum tempo, o projecto do padre Bartolomeu de Gusmão e
contrata Domenico Scarlatti para ensinar música a sua filha, a infanta Maria
Bárbara). Dado aos prazeres da carne e a destemperos vários (teve muitos
bastardos e a sua amante favorita era a Madre Pauta do Convento de Odivelas).
Sacrificou todos os homens válidos e a riqueza do país na construção do
convento.
- Maria Ana Josefa
De origem austríaca, a
rainha, surge como uma pobre mulher cuja única missão é dar herdeiros ao rei
para glória do reino e alegria de todos. É símbolo do papel da mulher da época:
submissa, simples procriadora, objecto da vontade masculina.
- Baltasar Sete-Sóis
Baltasar Mateus, de
alcunha Sete-Sóis, deixa o exército depois de ter ficado maneta em combate
contra os espanhóis, conhece Blimunda em Lisboa, e com ela partilha a vida e os
sonhos. De ex-soldado passa a açougueiro em Lisboa e, posteriormente, integra a
legião de operários das obras do convento. A sua tarefa máxima vai ser a
construção da passarola, idealizada pelo padre Bartolomeu de Gusmão, passando a
ser o garante da continuidade do projecto, quando o padre Bartolomeu desaparece
em Espanha.
Baltasar acaba por se
constituir como a personagem principal do romance, sendo quase
"divinizado" pela construção da passarola: "maneta é Deus, e fez
o universo. (...) Se Deus é maneta e fez o universo, este homem sem mão pode
atar a vela e o arame que hão-de voar. " - diz o padre Bartolomeu a
propósito do seu companheiro de sonhos. Após a morte do padre, Baltasar
ocupa-se da passarola e, um dia, num descuido, desaparece com ela nos céus. Só
é reencontrado, nove anos depois, em Lisboa, a ser queimado no último
auto-de-fé realizado em Portugal.
O simbolismo desta
personagem é evidente, a começar pelo seu nome: sete é um número mágico, aponta
para uma totalidade (sete dias da criação do mundo, sete dias da semana, sete
cores do arco-íris, sete pecados mortais, sete virtudes); o Sol é o símbolo da
vida, da força, do poder do conhecimento, daí que a morte de Baltasar no fogo
da Inquisição signifique, também, o regresso às trevas, a negação do progresso.
Baltasar transcende, então, a imagem do povo oprimido e espezinhado, sendo o
seu percurso marcado por uma aura de magia, presente na relação amorosa com
Blimunda, na afinidade de "saberes" com o padre Bartolomeu e no
trabalho de construção da passarola.
Baltasar é uma das
personagens mais bem conseguidas de todo o romance porque descrever a ambição
de um rei, as intrigas duns frades e a loucura de um cientista é relativamente
fácil, mas escolher uma personagem do povo, maneta e vagabunda, que
aparentemente não tem muito para dizer e convertê-la no fio condutor da
narrativa e no protagonista duma das mais belas e sentidas histórias de amor, é
algo que só conseguem autores como Cervantes, que de um criado como Sancho
Pança criou um arquétipo e um digno "antagonista" de Dom Quixote.
Baltasar é um homem
simples, elementar, fiel, terno e maneta, que confina a capacidade de surpresa
com a resignação típica das pessoas humildes de coração e de condição. Aceita a
vida que lhe foi dado viver e a mulher que o destino lhe ofereceu, sem assombro
nem protestos; acata as suas circunstâncias e não tem medo nem do trabalho nem
da morte. Não é um herói nem um anti-herói, é simplesmente um homem.
- Blimunda de Jesus
Blimunda de Jesus é
"baptizada" de Sete-Luas pelo padre Bartolomeu de Gusmão ("Tu és
Sete-Sóis porque vês às claras, (...) Blimunda, que até aí só se chamava, como
sua mãe, de Jesus, ficou sendo Sete-Luas, e bem baptizada estava, que o
baptismo foi de padre, não alcunha de qualquer um").
Conhece Baltasar quando
assiste à partida de sua mãe, acusada de feitiçaria, para o degredo. Logo os
dois se apaixonam, e este amor puro e verdadeiro foge às convenções, subvertendo
a moral tradicional e entrando no domínio do maravilhoso - primeira noite de
amor.
Blimunda tem um dom: vê
o interior das pessoas quando está em jejum, herdou da mãe um "outro
saber" e integra-se no projecto da passarola, porque, para o engenho voar,
era preciso "prender" vontades, coisa que só Blimunda, com o seu
poder mágico, era capaz de fazer. Blimunda é, simultaneamente, uma personagem
que releva o domínio do maravilhoso, pelo dom que tem de ver "o
interior" das pessoas (poder que nunca exerce sobre Baltasar: "Nunca
te olharei por dentro"), porque amar alguém é aceitá-lo sem reservas.
Blimunda encerra uma dimensão trágica na vivência da morte de Baltasar.
Simbolicamente, o nome
da personagem acaba por funcionar como uma espécie de reverso do de Baltasar.
Para além da presença do sete, Sol e Lua completam-se: são a luz e a sombra que
compõem o dia - Baltasar e Blimunda são, pelo amor que os une, um só. A relação
entre os dois é também subversiva, porque não existe casamento oficial e porque
os dois têm os mesmos direitos, facto inverosímil em pleno século XVIII.
Como outras personagens
femininas de Saramago, também Blimunda tem uma grande firmeza interior, uma
forma de oferecer-se em silêncio e de aceitar a vida e os seus desígnios sem
orgulho nem submissão, com a naturalidade de quem sabe onde está e para quê.
- Padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão
O padre Bartolomeu,
personagem real da História, forma com Baltasar e Blimunda o núcleo mágico e
trágico do romance. Vive com uma obsessão, construir a máquina de voar, o que o
leva a encetar uma investigação científica na Holanda. Como cientista ignora os
fanatismos religiosos da época e questiona todos os principias dogmáticos da
Igreja. O seu sonho de voar e as suas inabaláveis certezas científicas revelam
orgulho, "ambição de elevar-se um dia no ar, onde até agora só subiram
Cristo, a Virgem e alguns santos eleitos" e tornam-no persona non grata
para a Inquisição que o acusa de bruxaria, obrigando-o a fugir para Espanha e a
deixar o seu sonho/projecto nas mãos de Baltasar.
A sua obsessão de voar
domina-o de tal forma, que ele não se inibe de integrar no seu projecto um
casal não abençoado pela Igreja e de aceitar e usufruir das capacidades
heréticas de Blimunda, que farão a passarola voar. A passarola, símbolo da
concretização do sonho de um visionário, funciona de uma forma antagónica ao
longo da narrativa: é ela que une Baltasar, Blimunda e o padre Bartolomeu, mas
também é ela que vai acabar por separá-los.
- Domenico Scarlatti
Artista estrangeiro
contratado por D. João V para iniciar a infanta Maria Bárbara na arte musical.
O poder curativo da sua música liberta Blimunda da sua estranha doença,
permitindo-lhe cumprir a sua tarefa ("Durante uma semana (...) o músico
foi tocar duas, três horas, até que Blimunda teve forças para levantar-se,
sentava-se ao pé do Cravo, pálida ainda, rodeada de música como se mergulhasse
num profundo mar, (...) Depois, a saúde voltou depressa").
Scarlatti é cúmplice
silencioso do projecto da passarola ("Saiu o músico a visitar o convento e
viu Blimunda, disfarçou um, o outro disfarçou, que em Mafra não haveria morador
que não estranhasse, e (...) fizesse logo seus juízos muito duvidosos”).
É, ainda, Scarlatti que
dá a notícia a Baltasar e Blimunda da morte do padre Bartolomeu. A música do
cravo de Scarlatti simboliza o ultrapassar, por parte do homem, de uma
materialidade excessiva, e o atingir da plenitude da vida.
Bartolomeu de Gusmão,
esse, aliado em diálogo excepcional com o músico Scarlatti, o único que pode de
raiz compreender as suas congeminações aladas, representa a possibilidade de
articulação entre a cultura e o humano, entre o saber e o sonho, entre o
conhecimento e o desejo (...) São os caminhos da ficção os que mais
justificadamente conduzem ao encontro da verdade.
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